Na década de 60, a NASA convidou o cientista,
especializado em química da atmosfera, James Lovelock, para o Jet Propulsion
Laboratories em Pasadena, na Califórnia, para ajudá-la a projetar instrumentos
de detecção de vida em Marte. Na ocasião, a NASA havia planejado enviar uma
nave espacial à Marte com o intuito de procurar vida, executando vários
experimentos com o solo marciano. No trabalho técnico de elaboração dos
instrumentos, Lovelock se perguntava: “Como podemos estar certos de que o modo
de vida marciano, qualquer que seja ele, se revelará a testes baseados no
estilo de vida da Terra?”
Pensando sobre a natureza da vida no nosso planeta e como
ela poderia ser reconhecida, Lovelock descobriu que o fato de todos os seres
vivos retirarem energia e matéria e descartarem substâncias residuais no meio
ambiente era a mais geral das características da vida e supôs que a vida em
qualquer planeta utilizaria a atmosfera e os oceanos como meios fluídicos para
as matérias primas e recepção dos produtos residuais. Se houvesse vida em Marte
– pensou ele – a atmosfera marciana expressaria certas combinações de gases que
se revelariam como “assinaturas” singulares, possíveis de serem detectadas por
poderosos telescópios, a partir da Terra.
De fato, posteriormente Lovelock conseguiria obter dados
preciosos sobre a atmosfera de Marte e concluiria que ela possui um total
equilíbrio químico, situação oposta a da atmosfera terrestre, que contém gases
que reagem constantemente uns com os outros, resultando numa mistura de gases
afastados do equilíbrio químico.
As seguintes palavras expressam sua convicção de que a
Terra é um organismo vivo – base da Teoria de Gaia: “Para mim, a revelação
pessoal de Gaia veio subitamente – como um flash de iluminação. Eu estava numa
pequena sala do pavimento superior do edifício do Jet Propulsion Laboratory, em
Pasadena, na California, conversando com uma colega, Dian Hitchcock sobre um
artigo que estávamos preparando... foi nesse momento, que num lampejo,
vislumbrei Gaia. Um pensamento assustador veio a mim, a atmosfera da Terra era
uma mistura extraordinária e instável de gases, e, não obstante eu sabia que
sua composição se mantinha constante ao longo de períodos de tempo muito
longos. Será que a vida na Terra não somente criou a atmosfera, mas também a
regula – mantendo-a com uma composição química constante, e num nível favorável
aos organismos?”
Lovelock sabia, através da astrofísica, que o calor do
sol aumentou 25% desde que a vida começou na Terra, entretanto, apesar desse aumento,
a temperatura média na superfície do Planeta praticamente se manteve constante,
em nível ajustável para os seres vivos, durante os 3,5 bilhões de anos de
biosfera terrestre. E se a Terra fosse capaz de regular sua temperatura,
indagou ele, e também outras condições, como salinidade dos oceanos, composição
da atmosfera etc... – de forma análoga aos seres vivos que são capazes de se
auto-regular e de manter constante a temperatura corporal?
Lovelock percebeu que essa hipótese significava uma
radical ruptura com a visão convencional da ciência. “Considere a Teoria de
Gaia uma alternativa à sabedoria convencional que vê a Terra como um planeta
morto, feito de rochas, oceanos, de atmosfera inanimada e meramente, habitada
pela vida. Considera-a como um verdadeiro sistema, abrangendo toda a vida e
todo o seu meio ambiente, estritamente acoplados de modo a formar uma entidade
auto-reguladora”.
Em 1969, Lovelock apresentou em Princeton, pela primeira
vez, sua hipótese da Terra como um sistema capaz de se auto-regular. Ele ainda
não tinha uma ideia elaborada de como a Terra poderia regular sua temperatura e
composição da atmosfera, mas sabia que esses processos certamente tinham de
envolver organismos existentes na biosfera. Coincidentemente, uma bióloga
norte-americana brilhante, a microbiologista Lynn Margulis, estava estudando os
mesmos processos que Lovelock ansiava por entender – a produção e o sequestro de gases por vários organismos, incluindo os seres que constituem o microbiota
planetário, com milhares, talvez milhões de espécies de bactérias e outros
seres microscópicos. Uma importante indagação de Margulis foi: Por que todos
concordam com o fato de que o oxigênio atmosférico provém da vida, mas ninguém
fala sobre os outros gases atmosféricos que provém da vida?
O encontro entre Margulis e Lovelock resultou na
elaboração plenamente científica da hipótese de Gaia. Margulis respondeu às
indagações de Lovelock a respeito das origens biológicas dos gases atmosféricos
e em contrapartida Lovelock contribuiu com concepções da química, da termodinâmica
e da cibernética para a emergente Teoria de Gaia. Esse casamento perfeito
permitiu colocar em ênfase que o aspecto de destaque nos laços de realimentação
está no fato de que ligam sistemas vivos e não vivos.
A Teoria de Gaia mostra a existência de um sincronismo
dos fatores bióticos do planeta – microorganismos, plantas, animais – e suas
partes não vivas – minerais, rochas, oceanos e atmosfera.
Vulcões têm lançado grandes quantidades de gás carbônico
(CO2) durante milhões de anos. A Terra precisa retirar o excesso de
CO2 da atmosfera, pois, ele e um gás de efeito estufa. A chave para
a remoção do excesso de CO2 na atmosfera está na reciclagem que
envolve a erosão das rochas. .Os componentes do material erodido combinam-se
com a água da chuva e com o CO2 formando substâncias químicas
denominadas carbonatos, sendo assim o “CO2” que estava em excesso na
atmosfera passa para os carbonatos. Lovelock descobriu que certas bactérias do
solo aumentam enormemente a taxa de erosão, portanto, atuam como catalisadores
desse processo. Os carbonatos são levados para os oceanos, onde algas
microscópicas os absorvem e os utilizam para formar belas conchas calcárias (de
carbonato de cálcio), essas mesmas algas também retiram CO2
diretamente da atmosfera no processo da fotossíntese e devolvem para ela o gás
oxigênio.
Posteriormente sedimentos
de pedras calcárias acumuladas no assoalho do oceano durante milhões e milhões
de anos afundam gradualmente dentro do manto podendo inclusive desencadear
movimentos nas placas tectônicas. Finalmente o CO2 volta para a
atmosfera ao ser lançado por vulcões para uma nova jornada longa e cíclica de
Gaia. Vulcão, erosão de rochas, bactérias do solo, algas do oceano, sedimentos
calcários e de novo os vulcões – um magnífico processo de realimentação que
regula a temperatura global. Para Margulis e Lovelock, o meio ambiente da vida,
é na verdade parte da vida.
MAURÍCIO TOVAR
MATÉRIA DO JORNAL DIÁRIO DA MANHÃ
COLUNA TERRA SUSTENTÁVEL
http://www.dmdigital.com.br/ .
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